No fim de 1974, outra grande onda começava a ser provocada pela 1120. Jovens músicos gaúchos começaram a rodar na programação. Quase todos entre 19 e 21 anos de idade. Uma ousadia bem-sucedida. Por ser original e por tocar os tambores da aldeia. Foi uma das principais contribuições da rádio à cultura de Porto Alegre. O fenômeno é apontado como o responsável pela criação do que mais tarde se convencionou chamar de MPG, a Música Popular Gaúcha.
A presença dos músicos gaúchos na 1120 foi uma seqüência de acontecimentos que principia em 1974 com José Fogaça e Almôndegas, segue com o Musipuc de 1975 e tem seu estouro definitivo com Júlio Fürst, no papel de Mr. Lee (à direita, na foto com Hermes Aquino).
Testamento
No final de 1974, José Fogaça e Clóvis Duarte, professores do curso pré-vestibular IPV, com muito prestígio junto aos estudantes, lançam na Continental o programa Opinião Jovem, de segunda a sexta-feira, das 7h às 8h.
O Opinião Jovem precisava de uma música tema para a abertura. Em vez de escolher na discoteca, Fogaça convida Kleiton e Kledir Ramil, Zé Flávio, Pery Souza, Quico Castro Neves e Gilnei Silveira para gravarem uma música dele, chamada Testamento. Fogaça conta. “Nós gravamos Testamento na mais absoluta precariedade, no estúdio da rádio. A gravação é dos Almôndegas, a primeiríssima formação mais o Zé Flávio. Entreguei uma fita com a letra e a música. Eles acharam ruim, que não fechava. Havia um problema de divisão de compasso na primeira versão. Voltei pra casa e simplifiquei. Entreguei de novo e não assisti nem ao ensaio em que eles acertaram o arranjo, que, acho, foi meio coletivo. A gravação em fita, única até hoje existente, foi feita nos estúdios da Rádio Continental, com o Anele, em dois canais.”
Musipuc
No começo de junho de 1975, o IV Musipuc desencadeia a faísca que faltava para a explosão da música porto-alegrense via Continental. Um dos jurados da edição de 1975 é Júlio Fürst, que desde abril assumira o papel de Mr. Lee no horário das 22h na Continental. Entusiasmado com o festival, se dá conta que toda aquela produção musical deveria ser difundida pelas ondas da rádio. O Musipuc de 1975 foi gravado e, apesar da pouca qualidade técnica, algumas músicas já começaram a rodar no Mr Lee In Concert, às 22h. Para dar melhor divulgação, alguns dos melhores classificados foram convidados a gravar suas músicas no estúdio B da Continental.
Em junho, logo após o Musipuc, Julio Fürst procura a administração da Lee. Fala com o diretor de marketing, Américo Bender, responsável pela entrada da marca no Brasil, e diz: “O negócio é o seguinte, cara: nós vamos botar música gaúcha. Tá dando a maior repercussão, o maior pedal, telefonema, audiência, uma resposta altamente positiva.” A ficha cai e Américo também se entusiasma. “Se tá dando pedal, daqui a pouco vamos fazer um concerto.”
Mais que depresa Mr. Lee começa a rodar Almôndegas, Hermes Aquino, Fernando Ribeiro, Inconsciente Coletivo, Gilberto Travi e Cálculo IV, Bixo da Seda, Utopia, Mantra, Bizarro, Mercado Livre, Em Palpos de Aranha. Os 30 minutos finais do programa – das 22h30 às 23h – passam a ter só produção local.
Os concertos
Com o apoio de Judeu e Marcus Aurélio, Júlio toma a iniciativa. Ele poderia ter seguido a receita fornecida pelo patrocinador do Mr. Lee: tocar somente música country. Mas viu que havia espaço para ousar.
Tudo foi muito rápido. Não demorou a acontecer o projeto de colocar as bandas em cima do palco. Pouco mais de um mês depois do Musipuc, no dia 13 de agosto de 1975 é realizado o primeiro Vivendo a Vida de Lee. O local escolhido foi o Cine Teatro Presidente, na Avenida Benjamin Constant.
E aí explodiu. Alguns conseguem sucesso nacional. Outros, se não chegam a ficar conhecidos no centro do país, gravam discos, como o Inconsciente Coletivo, que tem um fervoroso público em Porto Alegre. Na reprodução à direita, o compacto simples com Voando Alto e Fadas Douradas no lado B (clique e veja ampliado).
A primeira vez
Qual a reação de um músico em início de carreira ao ouvir pela primeira vez sua música e sua voz tocando na rádio de maior audiência entre os jovens de Porto Alegre? Depoimentos dão a dimensão do que a Rádio Continental significou para a música de Porto Alegre nos anos 70. Confira um deles:
A casa de Nélson Coelho de Castro tinha torcida em torno do rádio a partir das 22 horas, quando iniciava o Mr. Lee in Concert.
“Era de ver mãe, pai, avó, vizinhos, amigos, parentes - na cozinha lá de casa - por volta das 10 da noite - escutando num aparelho não muito bom, o Mr. Lee . Todos superansiosos com a possibilidade de uma música minha rodar no programa. Quando então o Júlio Fürst anunciava "Versos de Proa" de Nelson Coelho de Castro e Oscar Silva, um amigo de Curitiba, era uma explosão e ao mesmo tempo um xiss - pedindo silêncio - para escutar a música. Logo após a música, outra explosão e comemorávamos como se fosse um gol, tomávamos cerveja e ficávamos até de madrugada comentando as músicas dos outros músicos e compositores. Pueril, humano, demasiado humano, demasiada província, demasiado começo, demasiada saudade desta fragilidade amadora e sincera.”
Agradecimento
Um agradecimento essencial deve ser feito aos músicos que liberaram o uso de suas obras no CD anexo ao livro. O desprendimento deles possibilita este trabalho.
Texto de Lucio Haeser, extraído do livro-reportagem "Continental -A rádio rebelde de Roberto Marinho".
Leia mais e ouça algumas músicas em continental1120
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